O velho Rafael.
Sempre com um cigarro de palha queimado pela metade, na boca. Andar apressado. Uma magreza de levantar suspeita. Rosto fino de olhar perdido. Não era possível saber qual, na verdade, era a direção que seguia em qualquer momento. Mas o que mais chocava era seu rebolado disforme.O velho Rafael era um bêbado permanente. Bebia pinga no lugar de água, desde os tempos de sua mocidade. Era viúvo e tinha três filhos. O mais velho se chamava André, a seguinte tinha por volta de dezoito anos e se chamava Neneca. E o seu caçula. Bem, o caçula era um caso aparte. O coitado havia herdado os males que a aguardente e o fumo causam ao ser em desenvolvimento. O inocente nascera com várias partes do corpo ainda em processo de formação. Um olho por se formar e o outro mal formado. E com apenas a pouca visão que lhe permitia o olho mal formado, andava de lado feito siri. Uma perna havia desenvolvido mais que a outra. O coitado era manco. Para piorar a cituação, o coitado não falava, apenas grunhia palavras desconexas. Bem, o mundo não é perfeito. Muito menos o povo que residia na Fazenda Guatiaia, onde esta gente morava. Este ser disforme, era o filho caçula do velho Rafael. E era conhecido pelo apelido, já que o nome de nascimento ninguém sabia - Ceguinho-doido-manco, ou simplesmente, o "ceguinho".
André, o primogênito, não estava isento de anomalias, como pensava, mesmo se esforçando para ser normal. Todo mundo sabia que não existia esta característica, bonito, dentro daquela família. André era, para começo de conversa, um fumante ativo e passivo, desde seus tenros anos de vida. Isto era visível, pois seu corpo era esquelético e os dentes eram quebrados e pretos. Sorriso preto, dentes quebrados, nariz fino, olhos saltados...E o pobre, ainda assim, se achava o rei da beleza.
Neneca, era um ano mais nova que André. Ela tinha tinha a figura de uma pessoa amargurada. Era baixa, pernas em formato de ípsilon, y. O seu cabelo ralo, de contar-se os fios, da cor de sua pele. Ou seja, os dois, cabelo e pele, eram de um pálidos doentio de causar dó. Tinha a boca torta, dentes acavalados, e olhos vesgo. Era por deveras uma criatura que dificilmente chamaria a atenção do sexo oposto, se pensaria. Mas chamou.
Muito embora Batuíra fosse um homem de poucos atrativos, ela obtivera sorte de ser notada por ele, um trabalhador braçal da fazenda muito dedicado. Ele viu em Neneca a chance que tanto buscava. Arranjar uma mulher para levar para seu barraco de couro que a Fazenda havia lhe concedido dentro de um bananal recém criado. Ele era um homem nada vaidoso. Sabia que uma mulher com um pouco mais de atrativos do que a Neneca, jamais o iria querer.
E, assim, Batuíra foi bem quisto por Neneca. Os dois passaram a viver sob o mesmo teto. Seus dias de macho realizado estavam perfeitos. Mulher, casa e comida. Era tudo que Batuíra precisava na vida.
Mas infelizmente Neneca não era apenas deformada por fora. Era por dentro também. E e nem Batuíra, e nem a própria Neneca, sabia que ela não poderia gerar um filho.
E no oitavo mês de gestação não autorizada pela natureza, Neneca foi hospitalizada. Batuíra largou seus afazeres pelo bananal, e foi ficar ao lada da sua mulher.
Seus esforços foram em vão.O médico mais tarde, tentou explicar o que não era explicável para leigos como Batúira, que quase acabou com o médico, de tanto o espancar ainda sentado na sua mesa.
Como assim, vou explicar. Não tem nada para ser explicado. A sua mulher estava morta, seu filho também.
Mas o que o médico tentava de todas maneiras o fazer entender. Aquela mulher não poderia jamais ter engravidado naquelas circustancias, jamais. Ela tinha Pressão alta. Má formação congênita, e um útero atrofiado e outras coisa mais, que o jumento do Batuíra acabou por não entender.
Algum tempo se passou, após a morte de Neneca. André havia partido por estes dias. Entendeu que ali na fazenda que cultivava somente bananas, não era lugar para ele, que almejava cultivar outras culturas na vida.
O velho Rafael estava a beira da morte, sob uma tarimba de colchão ralo de palhas secas de bananeira. Implorou por água até seu último suspiro de vida. O Ceguinho-doido-manco, não foi capaz de diferenciar a água da cachaça. E toda vez que pai maribundo pedia água, ele enfiava-lhe guela a dentro, copos e mais copos de aguardente. O Velho Rafael morreu literalmente bebendo pinga por água.
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