Voltar ao hospital. Andar por onde um dia passei desacordada sobre uma maca.
Era um dia incerto.
Logo pelo começo da manhã fui informada que seria levada para o setor cirúrgico. Os procedimentos eram para seguir na risca. Vestir uma camisola hospitalar. Retirar minha prótese. Eu relutei. Havia menstruado. Não havia problema. Sob a maca um lençol estava dobrado a mais. Tudo pronto.
Por um longo e infinito corredor segui. Contei e recontei os pilares que segurava o telhado. As rodas da maca cantavam uma canção de notas repetidas e barulhenta. Cantava algo que me lembrava à morte de alguma forma. De alguma forma a morte me rondava. Talvez aqueles meus pés gelados, poderiam ficar ainda mais gelados. Meus olhos fixos poderiam ficar ainda mis paralisados. Meu Deus. Vi minha vida esvair por aquele corredor sem fim. Enfim a maca ficara muda. Era porque havia chegado ao seu destino. Um porão. Nada mal. Eu estava entrando num porão onde ninguém mais entrava, a não ser o corpo clínico e o meu ali entregue ao destino. Se algo me acontecesse, só Deus e os médicos saberiam.
Se eu não acordasse da operação, eu estava a pensar, foi bom viver até meus quarenta e poucos anos e não me oporia em viver outros quarenta e tanto.
Foi me perguntado minutos antes de levar uma injeção de anestesia na espinha, a chamada raque:
- Com quem você quer sonhar já que vai dormir por algum tempo?
- Eu! Sonhar! Meu Deus, eu me derretendo de medo de dormir um sono eterno, e o médico com esta idéia. Puxa o que eu devo lhe dizer.
Não querendo desapontar a equipe que se ateve na pergunta, respondi com palavras incertas
- Com Brad Pitt.
A enfermeira riu satisfeita:
- Um ela tem um bom gosto.
Pronto. Meus dias na terra haviam se encerrado com aquele breve diálogo.
Acordei em um local sombrio. Estava muito ruim, mas dava graça a Deus por estar mesmo assim, viva. Não podia me mexer, sentia dores no pé da barriga, ou sei lá, não era bem uma dor, mais algo estava me incomodando naquela região. Era um espécime de sala, mas não era. Uma parte de porão. Vamos pensar assim, porque aquilo não era nem sala nem porão. Tentei pedir socorro desesperadamente. De repente pensei que estava num necrotério. Quem sabe eles pensaram que eu havia morrido, e me largaram ali. Mas para meu completo alívio, ouvi uma voz. E estava em uma maca ao lado da minha. Este pequeno ser estava acordando de uma cirurgia também. Foi uma moça da limpeza que estava por ali, que chamou por um enfermeiro. Esta moça ainda tocou num assunto breve com a pessoa que se aproximava de minha maca:
- Este foi o menino que levou um tiro acidental! Pelo jeito ele vai sobreviver.
Que bom, eu pensei. Não gostaria que uma pessoa, principalmente uma criança, estivesse morta ao meu lado quando estivesse acordando da operação.
Meus quase cinco dias de recuperação, ali mesmo no hospital, foram ótimos. Estava num quarto com janela que se abria frente às frondosas árvores onde cantava o sabiá, o João –de - barro, a maritaca, o bem-te-vi... Eles me acordavam todas as manhãs juntamente com os aviões que passavam sobre o hospital. Era curioso este sentimento de voltar a viver que eu estava tendo. Maravilhoso sentir a ávida de voltando de vagarsinho, sem presa de voltar. Conquistar o direito de viver, é qualquer coisa melhor que ganhar numa loteria, é nada comparado a nada. Não existe coisa melhor no mundo do que voltar a viver.
Francis
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